Os relógios no hospital
Amanhã o Pedro regressa ao hospital. Tudo agendado para mais um exame. Quanto tempo demorará? Há sempre um tempo diferente nos relógios dos hospitais. Os ponteiros arrastam-se naquelas paredes. Há um infinito descompasso entre os batimentos do meu coração e os segundos que o relógio deixa passar. Uma respiração em mim que não se desprende e uns números num monitor que não avançam. Quanto tempo demora uma consulta, um exame, um resultado a chegar? Quanto tempo demora o médico a falar, desde momento em que olha para um monitor ou para uma carta? Segundos, minutos, horas, dias? O relógio naqueles consultórios parece estagnado. Porque nos segundos que encerra, escorrem as minhas horas. Tudo em mim quer gritar “diga doutor!”... mas fecho as mãos, foco-me no meu bebé, dou-lhe qualquer coisa para as mãos, finjo que uma serenidade aparente e espero... já conheço este tempo que não é o meu. Desde que o Pedro nasceu aprendi a esperar. Descobri que o relógio no hospital rege-se por outro tempo que não me pertence. Os cento e dez dias que ele demorou internado na neonatologia pareceram-me anos. O espelho aqui em casa parece ser congruente com a minha perceção porque quando me reencontro, vejo que as rugas, os cabelos brancos seguem precisamente o meu cronómetro. Penso no filme Inception enquanto escrevo. O autor deve ter passado pelos corredores dos hospitais quando teve a ideia para o argumento.
Amanhã o Pedro fará outro exame. Quanto tempo demorará a anestesia geral? Quanto tempo ficará dentro daquela máquina? Quanto tempo esperarei eu cá fora...? E depois quanto tempo até alguém vir contar parte dos resultados (nunca tudo porque o doutor depois é que dirá...muito tempo depois). Entre o momento em que eu vou entregar o meu filho anestesiado no colo de um estranho até o receber de volta, quantas estações terão passado? Quantas voltas terá o planeta dado? Quantas histórias terão sido contadas?
Amanhã vamos ao hospital. Ao Santa Maria. Gigante... um labirinto de corredores e de horas. À medida que o tempo passa cresce a angústia de possíveis más notícias. Para além das sequelas típicas da prematuridade o Pedro teve um diagnostico de craniossinostose (encerramento precoce das suturas do crânio). Às vezes a dor parece um rio que acaba por desaguar sempre nos mesmos oceanos. Por isso, inevitavelmente, receio os resultados. Já teve uma cirurgia ao crânio, quantas virão ainda?Tentarei não olhar para o relógio. Olhar para as pessoas nos corredores, imaginar histórias sobre elas, pensar em banalidades, rever a lista de compras, revestir-me da normalidades das rotinas (que farei para o jantar?)... E enquanto isso esperar que o tempo seja generoso, os ponteiros avancem e o meu filho regresse com sorrisos para me contar...
Amanhã vamos ao hospital. No tempo, nas horas, nos vereditos que ele determinar.
Carla Almeida (carlacintraoalmeida@gmail.com)