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PREMATURO...ATÉ QUANDO?

O que implica ter um filho prematuro de 24 semanas? Respostas e interrogações de mãe e terapeuta...

PREMATURO...ATÉ QUANDO?

O que implica ter um filho prematuro de 24 semanas? Respostas e interrogações de mãe e terapeuta...

Em casa

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Dificilmente haverão dias tão intensos, tão marcantes nas nossas vidas como o dia em que atravessamos a porta de saída da neonatologia e trazemos o nosso bebé para casa.

Pode ter sido um internamento de poucos ou de muitos dias, mas a felicidade do bebé ser nosso (finalmente), é incomparável

É chegada a possibilidade de o pegarmos ao colo sempre que desejarmos, de não nos despedirmos à noite para vir para uma casa que nos parece insuportavelmente vazia.

Toda a nossa vida e tudo o que nos rodeia parece ter ficado em pausa, numa respiração contida, numa estagnação de planos e uma vivência constante de medos. Como se as margens do rio avançassem, todos fossem seguindo as suas vidas, e nós permanecêssemos no nosso barco, parado, sem poder seguir viagem.

Tudo em casa espera a chegada do bebé que veio, sem chegar ainda. A cama vazia, as roupas nas gavetas que espreitamos sem demoras, para não nos desmoronarmos. Os brinquedos imóveis e demasiadamente arrumados. O silêncio.

A necessidade permanente de regressar ao hospital todas as manhãs, com o nó na garganta até ouvir a enfermeira dizer que esteve estável durante a noite. O desfiar das horas junto à incubadora, as más notícias a roubarem-nos a esperança de que um dia ele vá para casa. As boas notícias a reconstruírem os sonhos. O primeiro segurar dos seus dedos minúsculos, o primeiro colo, o primeiro olhar...

É uma viagem que tem tanto de sinuosa e dolorosa, como tem de extraordinariamente bonita. Pelo amor que se constrói, mesmo com um vidro entre nós e o tesouro maior das nossas vidas. O tempo vai passando... dias, ou semanas, ou até meses... até que finalmente, o nosso bebé é nosso.

Para levar para casa! Sem fios, sem um monitor, sem braços de enfermeiros para o devolvermos, sem vidros para nos separar. E tão imediatamente quanto a felicidade, visita-nos um medo paralisante. Como viver sem todas as ajudas que tivemos até esse dia? E se ele parar de respirar? E se houver sinais de que não está bem? E onde estão os números da saturação de oxigénio, da frequência cardíaca, da frequência respiratória, da tensão arterial? Onde estão os valores da gasimetria diária? A hemoglobina, a retenção de CO2? Para onde olharemos à procura da certeza de que o nosso bebé está bem? No lugar da equipa de dezenas de enfermeiros e de médicos, estamos apenas nós, pai e mãe, cada um de nós aterrorizado, a tentar tirar o medo um ao outro...

E chegarão pessoas, amigos, família, aos quais teremos que contar e explicar aquilo que nunca entenderão verdadeiramente. E como lhes pedir para desinfetarem as mãos, para não darem beijinhos, para não lhes pegarem se estiverem ligeiramente constipados...?

Como viver um percurso normal depois de tudo o que foi vivido? É como sair da linha de partida com uma maratona já feita... Não se parte da mesma forma que outros pais cujos filhos nasceram de termo. O barco pode finalmente seguir a viagem que tanto desejámos. Mas as margens estão diferentes, o percurso já mudou, o trajeto é outro...

Na viagem que começa ao chegarmos a casa, é necessário avaliar as sequelas da prematuridade, perceber o impacto neurológico e desenvolvimental nas várias metas que o bebé terá que atingir.

Precisam-se de bons profissionais que continuem a acompanhar-nos, terapeutas que compreendam o que é um bebé prematuro e uma família prematura. Que ofereçam respostas concretas, ajustadas, e verdadeiramente específicas para o nosso bebé. Apesar de todos estes desafios, nunca a viagem nos pareceu tão mágica, tão bonita, tão especial. O nosso bebé, com todos os medos, todas as marcas (nossas e dele), toda a viagem feita e por fazer... é, finalmente, nosso.

carlacintraoalmeida@gmail.com

É preciso ser grande para ser pai

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 É preciso ser grande para ser pai. E quanto mais pequena a vida, maior a grandeza. O pai de um prematuro é gigante. É do tamanho inverso ao daquele ser que luta a cada minuto para sobreviver. Que cabe numa mão. E no entanto, ocupa dois corações por inteiro. O tamanho de um pai de prematuro é proporcional ao medo de perder o que de maior se tem. É ter que guardar a dor para consolar a mãe em fragmentos. Colar-lhe as peças, falar-lhe da esperança, acordar-lhe os sonhos, dar-lhe colo. Ser pai é ser o farol no oceano de dor da mãe. Ser raíz enquanto a tempestade não passa. É colocar-se em segundo, quando todos a colocam no centro. Todos parecem saber o que sofre uma mãe. Nela tudo é transparente, inevitável, rio aberto de lágrimas e de palavras... No pai moram silêncios que poucos ouvem... E no entanto, quem olhar para dentro daquele sorriso poderá ver exactamente o reflexo da mãe. Outros sons da mesma música, outras cores da mesma paisagem. 

É preciso ser grande para não largar a mão. Para conduzir. Para mostrar o caminho...

É preciso ser grande para ser pai. Do tamanho da entrega. Do tamanho do amor.

Carla Almeida  (carlacintraoalmeida@gmail.com)

Quando disseste "mamã"

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São só duas sílabas. Mas quanto cabe dentro delas? Uma imensidão de esperança. Um infinito de gratidão. Significa que me conheces, que me chamas, que entendes o poder e o amor da linguagem. Mamã traduz “sei quem és”, “preciso de ti”, “amo-te”. Dizer mamã significa que as hemorragias que tiveste ao nascer, o oxigénio de que tanto precisaste, as anestesias gerais que recebeste, não destruíram as nossas esperanças. Significa que poderemos vir a conversar... que me vais contar o teu dia na escola. Que me vais contar segredos que eu guardarei só para mim. Que vais dizer-me onde te dói para eu dar beijinho. Que me contarás como te sentes nos teus dias mais escuros. Que me perguntarás muitos porquês na tua maravilhosa descoberta do mundo e e partilharás comigo as tuas aventuras. Poderemos dividir uma história quando cair a noite e partilhar os teus sonhos quando amanhecer. E um dia engolirei as lágrimas quando escreveres o teu nome num postal do dia da mãe. Tudo isto ainda não é real. Pode até ser sonhar demasiado alto. Mas não há tecto nos sonhos de uma mãe. E quando tu disseste “mamã”, o céu de possibilidades abriu-se. São só duas sílabas... Mas quanto cabe dentro delas...? Eu e tu. E o mundo inteiro entre nós dois.

Carla Almeida (carlacintraoalmeida@gmail.com)

O dia em que nos conhecemos

 

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Foi em Abril. Ou terá sido antes? Quando será legítimo dizer que mãe e filho se conhecem? Se vieste de dentro de mim, que mais profundo conhecimento pode haver? Se conheceste o meu corpo do avesso, e te construíste das minhas células, do meu sangue, se dançaste no meu movimento e te embalaste na minha voz... Que maior conhecimento poderá existir? O que poderá ser maior e melhor que sermos um só? O que poderia trazer o lado de fora para nós? Ocorriam-me algumas coisas. Todas sensoriais: ver-te (os teus olhos), cheirar-te, tocar-te, beijar-te, ouvir-te. Tudo isso me parecia uma troca justa para deixar de te ter dentro de mim, na maravilhosa experiência que era a gravidez. Mas quando saíste de mim, perdi-te. Foi esta a vivência. De profunda perda. De profunda dor. Porque nada do que eu aceitei como troca me foi dado. Das tuas 24 semanas sobrou apenas o vazio no meu corpo. A maca levou-me para o último quarto do corredor. Passei pelos outros quartos com as mães e os seus bebés. No meu havia um berço vazio. Como eu.... Quando no dia seguinte me levantei e me levaram para te conhecer, havia no meu lugar uma incubadora. Uma caixa e muitas máquinas e fios que faziam o trabalho que o meu corpo não conseguiu fazer (a culpa em cada minuto daqueles dias). Quando te conheci pude apenas espreitar entre as gotas do vapor de água que a temperatura daquela caixa libertava. Não vi os teus olhos, estavam fechados. Não te peguei, não me deixaram. Não te cheirei. Não te dei beijos. Não te ouvi, tinhas um ventilador que te tirava a voz. Fiquei de pé em frente aquela incubadora, a tentar reconhecer-te, a apresentar-me. Não te reconheci. Não me reconheceste de certeza. A linguagem dos nossos corpos, assim distantes, ficou muda. Como dois estranhos. Mas se tu eras meu filho e eu a tua mãe... Era aquele o dia em que nos conhecíamos? Era abril... não me recordo do tempo lá fora, nem das horas. Mas foi o dia em que me apresentei na esperança que a memória existisse já em ti. Falei-te pela janela da incubadora, toquei-te com um dedo. “Olá Pedro. Sou a mãe... estou à tua espera.” E assim esperei...Todos os dias. Desde o dia em que nos (re)conhecemos, até ao dia em que nos voltamos a abraçar.

Carla Almeida (carlacintraoalmeida@gmail.com)

 Os relógios no hospital

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Amanhã o Pedro regressa ao hospital. Tudo agendado para mais um exame. Quanto tempo demorará? Há sempre um tempo diferente nos relógios dos hospitais. Os ponteiros arrastam-se naquelas paredes. Há um infinito descompasso entre os batimentos do meu coração e os segundos que o relógio deixa passar. Uma respiração em mim que não se desprende e uns números num monitor que não avançam. Quanto tempo demora uma consulta, um exame, um resultado a chegar? Quanto tempo demora o médico a falar, desde  momento em que olha para um monitor ou para uma carta? Segundos, minutos, horas, dias? O relógio naqueles consultórios parece estagnado. Porque nos segundos que encerra, escorrem as minhas horas. Tudo em mim quer gritar “diga doutor!”... mas fecho as mãos, foco-me no meu bebé, dou-lhe qualquer coisa para as mãos, finjo que uma serenidade aparente e espero... já conheço este tempo que não é o meu. Desde que o Pedro nasceu aprendi a esperar. Descobri que o relógio no hospital rege-se por outro tempo que não me pertence. Os cento e dez dias que ele demorou internado na neonatologia pareceram-me anos. O espelho aqui em casa parece ser congruente com a minha perceção porque quando me reencontro, vejo que as rugas, os cabelos brancos seguem precisamente o meu cronómetro. Penso no filme Inception enquanto escrevo. O autor deve ter passado pelos corredores dos hospitais quando teve a ideia para o argumento.

 

Amanhã o Pedro fará outro exame. Quanto tempo demorará a anestesia geral? Quanto tempo ficará dentro daquela máquina? Quanto tempo esperarei eu cá fora...? E depois quanto tempo até alguém vir contar parte dos resultados (nunca tudo porque o doutor depois é que dirá...muito tempo depois). Entre o momento em que eu vou entregar o meu filho anestesiado no colo de um estranho até o receber de volta, quantas estações terão passado? Quantas voltas terá o planeta dado? Quantas histórias terão sido contadas?

 

Amanhã vamos ao hospital. Ao Santa Maria. Gigante... um labirinto de corredores e de horas. À medida que o tempo passa cresce a angústia de possíveis más notícias. Para além das sequelas típicas da prematuridade o Pedro teve um diagnostico de craniossinostose (encerramento precoce das suturas do crânio). Às vezes a dor parece um rio que acaba por desaguar sempre nos mesmos oceanos.  Por isso, inevitavelmente, receio os resultados. Já teve uma cirurgia ao crânio, quantas virão ainda?Tentarei não olhar para o relógio. Olhar para as pessoas nos corredores, imaginar histórias sobre elas, pensar em banalidades, rever a lista de compras, revestir-me da normalidades das rotinas (que farei para o jantar?)... E enquanto isso esperar que o tempo seja generoso, os ponteiros avancem e o meu filho regresse com sorrisos para me contar...

 

Amanhã vamos ao hospital. No tempo, nas horas, nos vereditos que ele determinar.

 

Carla Almeida (carlacintraoalmeida@gmail.com)

Sobre a Prematuridade

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Ter um bebé prematuro pode ser semelhante à sensação de sair de um comboio em andamento. Não era aquela a paragem prevista, o impacto de cair no solo é abalador, não houve sequer tempo para agarrar as malas (tanta coisa que faltava ainda preparar) e certamente faltava parte do caminho onde se contemplaria a paisagem, se sonharia com o destino final e se fariam os preparativos para a chegada do bebé. Nada disso é habitualmente feito com um prematuro.


Como se alguém nos empurrasse, saímos dos carris. E o destino de sonho com que sonhámos, o bebé lindo e sorridente que adivinhámos ao ler os blogs, catálogos de roupa, grupos de facebook e afins, chega-nos em forma de um bebé muito pequeno, frágil, envolvido em fios, vedado dos nossos braços por um berço de vidro fechado. O bebé já não mora na barriga, mas não ocupou o seu lugar devido. Ter um bebé prematuro é ter um colo vazio. É amar à distância. Adiar o encontro. É fazer do tempo um escoar lento de segundos em que se espera... Espera-se o que o neonatalogista vai dizer, o que as enfermeiras vão dizer, o que os resultados vão dizer... enquanto o coração se silencia e aguarda. A mãe cuida. A mãe embala. A mãe alimenta. A mãe beija e cheira. A mãe protege. Os mandamentos da maternidade ficam adiados numa neonatologia. Mas mesmo nessas condições, a mãe cumpre o mandamento maior: a mãe ama. E nesse amor, espera.

 

Até ao dia em que lhe é permitido encher o colo, o corpo, o coração e todos os sentidos, no momento em que a enfermeira lhe pousa o bebé nos braços. Um momento de cada vez, um fio a menos, um olhar aberto, um resultado positivo... os dias passam e a esperança reconstrói-se. O pai, tantas vezes o pilar da serenidade e de otimismo, cala para si os mesmos medos da mãe. Pai e mãe oscilam muitas vezes, entre as mãos dadas num abraço a dois à incubadora e um distanciamento de quem vive de formas distintas (homem e mulher) a mesma dor.

 

 

Após um percurso que pode ser de dias, semanas ou meses, a porta do hospital fecha-se e os pais abrem a porta de casa ao seu bebé. Poder-se-ia respirar fundo de alívio e pensar que o livro da prematuridade ficaria por ali, que tudo ficaria guardado num álbum de fotografias, mas esta pode ser uma viagem demorada. Os bebés prematuros enfrentam elevados riscos de complicações a vários níveis, nomeadamente no seu desenvolvimento motor e intelectual. E ao trazer o filho para casa, os pais trazem também um coração apreensivo, muitos medos e inseguranças, muitas dúvidas e incertezas. Como lidar com o bebé, como promover o seu desenvolvimento, como avaliar os sinais de alerta, como gerir os sentimentos.

 

Muitos são os desafios que o regresso a casa implica. E para além das consultas de rotina, os pais destacam frequentemente a necessidade de orientações, de avaliação e de recomendações para cada etapa do desenvolvimento. É portanto essencial que as respostas ao bebé prematuro sejam igualmente dadas aos pais, também prematuros. Para que, mesmo saindo numa paragem antecipada, mesmo mudando a rota do percurso, a viagem seja o mais mais perfeita possível.

 

Este Congresso de Prematuridade nasce de um grupo de profissionais e de pais que procuram diariamente respostas e apoios para este percurso.  http://prematuroatequando8.webnode.pt

 

carlacintraoalmeida@gmail.com

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